A Luta de Zumbi Continua...
Os conflitos entre negros e
índios escravizados pelos europeus, em particular, portugueses e espanhóis,
foram constantes nos 370 anos de escravidão brasileira. Os atos de barbárie
contra os negros mantidos a força eram a tônica de um comportamento social
permitido à época: legal, jurídico. A escravidão era mantida e permitida pelo
Estado Brasileiro e chancelada pela a Igreja. O que chama a atenção neste
período é a forma de se ver e tratar o outro que era visto como uma espécie de
animal que falava. O século XV foi de grandes descobertas científicas, desenvolvimento
cultural e fortalecimento das identidades nacionais. Incrível como essas
iniciativas desenvolvimentistas não foram capazes de deter o processo
anticivilizatório que era representado pela economia escravagista no mesmo
espaço de tempo. Este quadro histórico é de suma importância para percebermos
que o sistema econômico quando entendido e desenvolvido através das lentes da
justificativa da lucratividade plena, pessoas e meio ambiente são meros
coadjuvantes, ou seja, não se mede consequências atuais e futuras. Zumbi entra
na história nacional em um desses hiatos históricos. A Serra da Barriga no ano
de 1695 transformou-se no maior pólo de ações contrárias ao escravismo e aquela
forma de vida que sustentava a economia nacional, os privilégios da realeza e
das famílias dos senhores de engenho, sem recebimento de salário ou condições
mínimas de subsistência. A economia brasileira não conseguiria se desenvolver
sem a presença dos africanos no Brasil. Não há nada que tenha sido construído
neste país que não tenha a força de trabalho dos povos escravizados como
protagonistas. Em África esses povos eram nações ricas e cultas, o berço da
civilização e do desenvolvimento humano. Pensem na sociedade egípcia. No
entanto, quando pisaram em solo nacional foram transformados em uma única massa:
em escravos negros. Este ainda é o pano de fundo de uma história mal contada e
uma Abolição não-conclusa. Infelizmente o dia 20 de novembro, data do
assassinato e esquartejamento público de Zumbi dos Palmares, ainda é só para os
negros. Impressionante como a teoria do embranquecimento ou da branquitude
ainda determina os feitos históricos de todos os povos que construíram e
sustentam a economia deste país até os dias atuais. A invisibilidade do Poeta
Cruz e Sousa, da Deputada Antonieta de Barros e a não aplicabilidade das leis
federais 10.639/03 e 11.645/07 comprovam esta atitude preconceituosa, do ponto
de vista histórico. Concomitante, pelo menos desde 1991, estamos a viver sobre
os ataques de grupos neonazistas. O caso específico da UFSC demonstra como
esses grupos racistas e fascistas estão crescendo, se fortalecendo e agindo
publicamente em espaços de saber e de mudanças comportamentais. A maior universidade
de Santa Catarina não sabe o que fazer para proteger o direito dos alunos
negros que ingressam em seus cursos anualmente. A barbárie que citei acima
persiste em ser determinante. A desconstrução do racismo requer a quebra deste
autoritarismo eurocêntrico que não reconhece a importância de outras
civilizações. A Eugênia ainda é uma teoria que sustenta privilégios através da
cor, sobrenome e de uma história inventada. O Estado administrado desta forma
ainda não está preparado para reconhecer e trabalhar com as diferenças étnicas.
Quando analisamos os governos das quatro maiores cidades da Grande
Florianópolis e do próprio Governo do Estado verificamos que sequer temos um
secretário negro (a) no meio de centenas deles. Neste sentido, como as crianças
negras irão sonhar um dia em pertencer a este espaço? A desconstrução de um
povo se da quando você impede o seu direito de acessar espaços que lhe é de seu
direito. Por isso, a saga de Zumbi ainda continua porque só o desmonte da
escravidão não foi suficiente de garantias constitucionais para os negros. Já
se passaram 128 anos da assinatura da Lei Áurea e ainda não atingimos o patamar
de igualdade sonhada pelos quilombolas de todo o Brasil. O caminho a ser
percorrido pelos negros brasileiros ainda é tenso e nebuloso. O projeto de
enfraquecimento de sua identidade cultural e patrimonial ainda é o grande
entrave para que ele se veja e assuma sua negritude abertamente. Desconstruir
todas as teorias e grupos racistas não será algo simples e fácil porque não estamos
instrumentalizados pela escola, economia, artes e cultura. Este 20 de novembro
terá que ultrapassar a comemoração e ganhar as ruas. Precisamos realimentar
nossos sonhos de liberdade econômica, cultural e histórica.
Marcos Canetta, Historiador e Professor da Faculdade IES.