segunda-feira, 7 de novembro de 2016

A Luta de Zumbi Continua...

Os conflitos entre negros e índios escravizados pelos europeus, em particular, portugueses e espanhóis, foram constantes nos 370 anos de escravidão brasileira. Os atos de barbárie contra os negros mantidos a força eram a tônica de um comportamento social permitido à época: legal, jurídico. A escravidão era mantida e permitida pelo Estado Brasileiro e chancelada pela a Igreja. O que chama a atenção neste período é a forma de se ver e tratar o outro que era visto como uma espécie de animal que falava. O século XV foi de grandes descobertas científicas, desenvolvimento cultural e fortalecimento das identidades nacionais. Incrível como essas iniciativas desenvolvimentistas não foram capazes de deter o processo anticivilizatório que era representado pela economia escravagista no mesmo espaço de tempo. Este quadro histórico é de suma importância para percebermos que o sistema econômico quando entendido e desenvolvido através das lentes da justificativa da lucratividade plena, pessoas e meio ambiente são meros coadjuvantes, ou seja, não se mede consequências atuais e futuras. Zumbi entra na história nacional em um desses hiatos históricos. A Serra da Barriga no ano de 1695 transformou-se no maior pólo de ações contrárias ao escravismo e aquela forma de vida que sustentava a economia nacional, os privilégios da realeza e das famílias dos senhores de engenho, sem recebimento de salário ou condições mínimas de subsistência. A economia brasileira não conseguiria se desenvolver sem a presença dos africanos no Brasil. Não há nada que tenha sido construído neste país que não tenha a força de trabalho dos povos escravizados como protagonistas. Em África esses povos eram nações ricas e cultas, o berço da civilização e do desenvolvimento humano. Pensem na sociedade egípcia. No entanto, quando pisaram em solo nacional foram transformados em uma única massa: em escravos negros. Este ainda é o pano de fundo de uma história mal contada e uma Abolição não-conclusa. Infelizmente o dia 20 de novembro, data do assassinato e esquartejamento público de Zumbi dos Palmares, ainda é só para os negros. Impressionante como a teoria do embranquecimento ou da branquitude ainda determina os feitos históricos de todos os povos que construíram e sustentam a economia deste país até os dias atuais. A invisibilidade do Poeta Cruz e Sousa, da Deputada Antonieta de Barros e a não aplicabilidade das leis federais 10.639/03 e 11.645/07 comprovam esta atitude preconceituosa, do ponto de vista histórico. Concomitante, pelo menos desde 1991, estamos a viver sobre os ataques de grupos neonazistas. O caso específico da UFSC demonstra como esses grupos racistas e fascistas estão crescendo, se fortalecendo e agindo publicamente em espaços de saber e de mudanças comportamentais. A maior universidade de Santa Catarina não sabe o que fazer para proteger o direito dos alunos negros que ingressam em seus cursos anualmente. A barbárie que citei acima persiste em ser determinante. A desconstrução do racismo requer a quebra deste autoritarismo eurocêntrico que não reconhece a importância de outras civilizações. A Eugênia ainda é uma teoria que sustenta privilégios através da cor, sobrenome e de uma história inventada. O Estado administrado desta forma ainda não está preparado para reconhecer e trabalhar com as diferenças étnicas. Quando analisamos os governos das quatro maiores cidades da Grande Florianópolis e do próprio Governo do Estado verificamos que sequer temos um secretário negro (a) no meio de centenas deles. Neste sentido, como as crianças negras irão sonhar um dia em pertencer a este espaço? A desconstrução de um povo se da quando você impede o seu direito de acessar espaços que lhe é de seu direito. Por isso, a saga de Zumbi ainda continua porque só o desmonte da escravidão não foi suficiente de garantias constitucionais para os negros. Já se passaram 128 anos da assinatura da Lei Áurea e ainda não atingimos o patamar de igualdade sonhada pelos quilombolas de todo o Brasil. O caminho a ser percorrido pelos negros brasileiros ainda é tenso e nebuloso. O projeto de enfraquecimento de sua identidade cultural e patrimonial ainda é o grande entrave para que ele se veja e assuma sua negritude abertamente. Desconstruir todas as teorias e grupos racistas não será algo simples e fácil porque não estamos instrumentalizados pela escola, economia, artes e cultura. Este 20 de novembro terá que ultrapassar a comemoração e ganhar as ruas. Precisamos realimentar nossos sonhos de liberdade econômica, cultural e histórica.

Marcos Canetta, Historiador e Professor da Faculdade IES.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016


No dia 07/09 a partir das 17h a Livros & Livros, Luís Claudio de Oliveira e a editora Mar de Idéias convidam para o lançamento do livro FAMILIAS NEGRAS CENTENARIAS: MEMORIAS E NARRATIVAS. O livro é o resultado de tese de doutorado do autor, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, em 2015. O estudo foi realizado basicamente na cidade de Rio Claro / RJ, ao longo de quase uma década junto à família materna do autor. O que chamou atenção para a possibilidade deste trabalho etnográfico foi o complexo de ações empreendido pelo grupo familiar, que levou o autor a revisitar as suas memórias e reescrever, autonomamente, a própria história, com o fim de transmitir valores às gerações futuras. As narrativas colhidas entre os parentes dos três troncos que constituem a família extensa dos Bernardo-Glória-Faustino, remetem à reflexão do quanto famílias negras brasileiras são mais que coadjuvantes na construção da identidade nacional. A leitura nos conduz a reconhecer o protagonismo desses sujeitos sociais.
Famílias Negras Centenárias: memórias e narrativas é o 1º volume da coleção Tramas de Ideias que tem por finalidade reunir obras que resultam de pesquisas acadêmicas das Ciências Sociais e áreas afins. O foco recai na divulgação de análises referentes a temas vinculados aos debates em torno de cidade, religião, relações raciais, sexualidade, emoção, família e memória.
Luís Cláudio de Oliveira é nascido na cidade do Rio de Janeiro a 14 de dezembro de 1959, um dos sete filhos da empregada doméstica Maria da Glória Bernardo e do inspetor de polícia Wilson de Oliveira. Na juventude viveu no subúrbio do Méier, tendo se mudado para a cidade de Guapimirim, onde vive desde 2006. É cientista social, mestre em educação, cultura e comunicação em periferias urbanas e doutor em memória social. Desde os anos 1970 tem ativa participação política em movimentos sociais, especialmente no movimento negro. Foi professor da rede pública estadual do Rio de Janeiro por vinte anos. Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, UERJ.